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CIRANDA, CIRANDINHA...

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Suas pernas se moviam de um lado para o outro, aparentava estar dormindo, mas por estes movimentos, podia-se deduzir que fingia. Fingia porque doía menos do que, de fato, olhar para a realidade que a cercava. Vestindo um gorro, chinelos, meias que abraçavam seus pés inchados, queixava-se de frio. Se remexia inteira, parecia cantar em sua mente uma música tranquila e doce, que a fazia fechar os olhos e sorrir. O ritmo de seu remelexo era o mesmo, o que me fazia confirmar que ela estava numa espécie de ritmo repetitivo em seu cérebro tão ocupado ou tristonho. Indaguei-me o que esta senhora tinha feito antes de eu encontrá-la naquele estado numa noite de novembro, com cheiro forte de urina amarela de dias passados. Abriu os olhos.  — Que frio! Muito frio! Ah! - Gemeu.  Me questionava se eu não sentia o mesmo, me fitando com aqueles olhos caídos. Eu a respondi dizendo que não, e que estava apenas de calça porque era costume. Ela desviou o olhar, passou a ver aqueles prédios eno

Entrevista para o "Escritores em Cena"

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  Em outubro de 2024, Allissom André participou do podcast Escritores em Cena, entrevistado por Fernanda Sabbag. No episódio, Allissom conversou sobre o processo criativo dos autores e compartilhou suas experiências pessoais enquanto criador de estórias.

A minha vida é baseada em flores

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De fato, fui ignorante ao longo deste tempo, Porque sempre tentei mudar a minha origem, Mas agora percebo o porquê das coisas, O porquê de eu adorar cor e energia Que exalam e mostram demasiada alegria. É que eu sou filho de 22 de setembro, Primeiro dia da primavera de 2002, Nascido no meio de tanta gente, Na manhã de um domingo quente.

A vida é uma luta diária

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Noite de tempestade. Trovões estrelavam a trilha sonora e os relâmpagos davam brilho à escuridão que se alastrara. Jorge se encontrava, neste momento, ilhado, em meio a uma enchente que alagou a avenida Afonso, próxima de sua casa. Faltava pouco para chegar ao seu canto de repouso. Imaginava, em sua cabeça, chegar em casa, abrir aquela garrafa de vinho, colocar a música no alto e desfrutar daquele momento único que não retornaria em nenhum momento da eternidade. Ao chegar ao seu lar, lembrou que não tinha ovo, nem muito menos suco. Tomou um copo d'água e sentou-se com seu celular na mão. Deixou a música tocar enquanto olhava para aquele teto e paredes nus, refletindo. Jorge sonhava que um dia aquilo tudo se transformaria, e o início de sua casa se tornaria o início de um reino. A questão é que tudo isso leva tempo, e ninguém consegue dizer com precisão quanto tempo cada coisa deve levar. Para comer, decidiu fritar o resto de salsicha congelada que ele mesmo guardara, co

A última vez que vi a lua

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Uma xícara de café, uma tensão no ar e um aperto no peito. Era o que eu via e sentia no momento em que minha mãe lançou um olhar de desprezo em minha direção. Não disse palavra nenhuma e nem esboçou outra reação a não ser aquela.  Era o meu aniversário que se aproximava, e pela primeira vez, tive medo de comemorar mais um ano de vida. As dúvidas clássicas de um jovem adolescente vieram à tona na minha mente: "O que irei fazer?" "Quando irei morar sozinho?" "É hora de arrumar um emprego?", me questionei.  Toda manhã era a mesma coisa, e eu já imaginava que seria diferente na manhã do dia dito especial, e isso me assustava muito.  Poderiam fazer uma grande surpresa já esperada, já que é comum fazer surpresas para mim no dia do meu aniversário - já estou acostumado, mas a surpresa deste ano promete.  Na escola, todos comentavam dos aniversários dos outros. Ninguém comentava sobre o meu. Ele era um dos meus únicos amigos da escola, e esse apelido foi dado a el

O tempo continua a correr

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  As horas caminham, Os minutos correm, Os segundos voam, E os lindos dias marcham Para a nossa morte, Dia final, momento inesperado Data em que todos seremos finados. A vida pré-existente é completamente ignorada, O que fica, por sua vez, continua normalmente. As flores nascem e os cães latem de madrugada, Tudo normal como se fosse antes da gente. Somos, na verdade, insignificantes Poeira cósmica, como dizem Minúsculos como uma formiga E às vezes, gigantes, em vida Mudamos o mundo, Destruímos o mundo. É que as horas caminham, Os minutos correm, Os segundos voam, E os dias se rastejam Para a nossa sorte, Para a nossa morte, Dia final, momento esperado Data em que todos somos finados. E tudo recomeça, Para mais gente morrer.

O que ele não tem?

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Joga a bola para lá, joga a bola para cá. Os garotos Ruan e Arthur se reúnem todas as noites de quarta-feira para jogarem um pouco de futebol na praça da rua Epitácio, sendo que estes dois rapazes vêm para o local escolhido ausentes de qualquer companhia adulta. Ambos já sabem o caminho de cor, e decidiram, em algum momento não identificado, jogar juntos com horário e data marcada a partir daquele comum mês de julho. — Neste ano, pretendo jogar muito mais com você do que com o Diogo. — disse Ruan, um pouco irritado. É que Diogo frequentemente não podia vir, porque seus pais o proíbiam de jogar fora da área do clube. Ruan até compreendia o lado de Diogo, já que ele não fazia questão de jogar com o colega. Em casa, Diogo tinha o suficiente. — É, pois é. Sei que tá difícil, mas nem pra dá uma forcinha, né? — disse Arthur, sugerindo que o outro colega (que ele, na verdade, não conhece) escape da visão de seus supervisores para jogar uma bola nas noites de quarta. Ruan estava, na verdade, c

Sala de espera

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Nada conseguia tirar aquela angústia do meu peito, aquela sensação horrível e interminável que me avisava da imprevisibilidade, que me lembrava que era difícil prever em que momento eu sairia dali. Me irritei com o barulho de pés, nossa, havia muitos pés! — Muito pé batendo no chão — pensei, irritado. As pessoas estavam nervosas. Rostos fechados, bocas cerradas e olhos caídos. — E estão com sono — concluí. A face irritada não deixava esconder que ninguém ali estava, de fato, interessado em permanecer no local por mais tempo. — É dengue? — um homem pálido, sentado ao meu lado, questionou. Disse-lhe que não e que estava lá para fazer uma consulta com o oftalmologista. — Ah! Se eu dissesse para você que poderia esperar, esperaria? Tem dias mais calmos. Hoje, como pode ver, só enfermos. Você vai passar na frente da senhora com suspeita de catapora. — Ah, moço, é urgência — disse, com pausa. — Eu não o vejo — continuei, e é claro que isso é verdade, pois se não fosse, teria descrito o

Malditos lusófonos

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  22h30 da noite. "Música de fundo, luzes apagadas. Carro estacionado. É tudo o que consigo ver e ouvir neste momento de paz e tranquilidade. Dona Lúcia já parou de me telefonar, perguntando onde deixei as coisas que, segundo ela, lhe pertenciam. Susana já não me incomoda mais com aquelas tarefas horríveis e desumanas que costuma pedir e nunca faz por conta própria. Eu só escuto a música favorita do meu pai no rádio do carro, no meio do escuro da avenida Antenor, que já está há duas semanas com as luzes queimadas, mas que, segundo o prefeito, tudo será arrumado logo logo. Estou cansado desta sociedade que me trata como escória, viver no meio deste lixão ambulante que se chama "mundo", com outras pessoas que acreditam que isso um dia irá melhorar. Imagine só: todas as pessoas que vieram antes de você, seus bisavós, trisavós e todo o resto, também pensavam que trabalhando iriam conseguir uma vida mais digna para seus descendentes e para as pessoas que viriam depois. Aq

Resgate da pureza

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Respiro e aspiro vida em abundância  Valorizo e olho para a criança  Que habitou em mim durante todo este tempo  E eu nunca exerguei devido às circunstâncias  Volto a ser criança  Sorrio para a infância  Chuto a testa da ignorância

Já fui um rato

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Parado, relaxado, Em frente ao ponto da rua Inácio, Um moço me interrogou De forma estranha, "Como você descobriu que ficou velho?", Disse acendendo o cigarro. Encarando-o e analisando-o, Decidi falar como se tivesse Me refugiado numa montanha, Passei a encarar a vida com mais apreço, Cada detalhe de fato importava. Passei a dar ao grão da areia da praia, Mais importância, E as nuvens do céu, Todas as tardes eu observava. De fato, fiquei velho. Mas já fui um rato. "Rato?" perguntou o moço, Já com outro maço. Já fui rato de frente para uma tela, A fim de um futuro utópico Que não viverei. "Acho que também sou um rato".

A morte é o maior presente que temos na vida

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  Tem dias que eu acordo, olho para a janela, e simplesmente começo a pensar na minha própria existência. Por que estou aqui? Por que tenho amigos? E família, o que é isso exatamente?! Fico me perguntando tudo, porque se você parar pra ver, teremos mais dúvidas do que respostas. Mas a vida é assim mesmo, e eu aprendi que devemos encará-la da mesma forma que elas nos encara: de jeito maluco e imprevisível. Adoro agarrar uma oportunidade que eu jamais tinha cogitado, de mudar a vida de uma semana para outra; de olhar pros meus irmãos; sorrir com eles e meus pais; agradecer a vida que graças a Deus tenho, olhar para o sol e agradecer... Tantas coisas... Amo sentir as coisas. Tocar nos objetos e senti-los por inteiro. Sentir-se presente naquele lugar, horário e dia. Nada daquilo volta. Aproveitar os momentos da vida de forma plena, sabe? Sem desvios de atenção, só puro foco. Pedalar para o trabalho de bicicleta olhando as pessoas, o trânsito, os carros... Sorrir para quem encontro no ônibu

Por que eu odeio rotina?

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Eu costumo usar a internet para quase tudo. Acho que todo mundo, né? Chega um momento que você acaba se deparando com uma situação até cômica: um monte de caras esquisitos começam a aparecer falando de rotina (banho frio, academia, bons livros — que são sempre aqueles de filósofos que nem eles leram completamente), ou sobre como ser alguém de respeito. Nunca gostei deste tipo de vídeo, mas do clássico "critico mas consumo", sempre confiro para dar risada do que os caras falam. Sei que rotinas são essenciais, mas para mim, não. E tenho certeza que tem uma cambada de gente por aí que não se dá com esses horários e coisas já pré-estabelecidas. Tenho fobia das tarefas já definidas. Por que que na segunda eu tenho que falar x, e na terça, às 11h34 da manhã, tenho que fazer y? Entrar numa rotina é a mesma coisa que cometer suicídio. Eu me prendo numa vida sem graça e sem novidades, além de me frustrar muito quando a rotina é desfeita por algum evento inesperado. Fiquei doente, hosp

Fazer merda na vida é essencial

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  O texto de hoje é curtinho, mas acho ele essencial para quem está lendo o que escrevo. Muita gente que eu conheço conta para mim que se arrepende de váris coisas feitas — tanto na infância quanto na adolescência, sempre há algo que a pessoa se arrepende de ter feito para todo o sempre. Lembro de na minha adolescência ter cometido um erro terrível de rebeldia, mesmo sendo o garoto educado e recatado do lar. Participei, em 2018, de uma instituição que pegava jovens carentes (eu estava incluso) para inserção no mercado de trabalho. Entrei em fevereiro daquele ano, e lembro do terror — tinha que me transferir para o período noturno da escola, ficava quase um período integral na instituição que chamarei de "EMPREGO E CIA" (ou ECIA), tinha que quase raspar o cabelo (era regimento da ECIA que meninos tivessem cabelo na 0, 1 ou no máximo 3, e isso para mim já era ser careca), além de serem educadinhos e darem lugar para os mais velhos no ônibus (não obstante, tínhamos que andar com

Ciclos

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  Imagine andar de bicicleta em círculos por mais ou menos três anos. Doideira, né? Sem querer fazer você estranhar ainda mais o que eu disse, mas tem gente que anda em círculos de "bicicleta" por mais do que só três anos. Quando eu digo andar de "bicicleta", me refiro a caminhada que nós fazemos enquanto seres vivos. A nossa vida, trajetória... Início, meio e fim. Tudo tem esse ciclo, nasce, vive e morre. NASCE, VIVE E MORRE! NASCE, VIVE E MORRE! NASCE, VIVE E MORRE! Até hoje, não consegui conhecer pessoalmente ninguém imortal, e se alguém deste tipo existe, não ficarei vivo por tempo suficiente para descobrir (a não ser que eu seja esta pessoa, e nem ao menos perceba isso!). Como disse numa postagem passada, a vida é curta demais para se preocupar com alguns problemas — não podemos jogá-lo para fora do campo, mas precisamos saber lidar com eles porque nada mais são do que pequenas pedras numa estrada não pavimentada. Ainda em 2019, enquanto adolescente, tive que t

Por que eu sou eu mesmo?

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Há muito tempo, quando eu tinha só meus dezoito anos, eu entrei num embate entre mim e eu mesmo. Posso considerar que são duas pessoas diferentes, porque o mim falava que eu tinha que fazer tal coisa, tal coisa e tal coisa. O eu, não. Já era mais coração, ele falava que eu tinha que seguir a minha intuição e mostrar quem de fato sou. Você lendo essa história, sabe bem qual é o lado que eu devo escolher. Mas, para mim, não era tão claro assim. Eu sempre fui um cara muito estranho. Eu gosto de tudo o que é diferente. Eu tenho, por exemplo, um estojo no formato de peixe. Já tive caixinha de som no formato de leão, gosto de música alternativa, gosto de tudo o que não é tradicional. Pensa no seguinte: se eu só tenho uma vida, por que que eu tenho que ter uma vida igual a de todo mundo? Só por esse fato, só por eu ter falado isso, você já deve saber o lado que eu escolhi. Só que até chegar lá, foi todo um processo, não foi nada decidido de um dia pro outro. A começar pelo estilo das roupas,