O que ele não tem?
Joga a bola para lá, joga a bola para cá. Os garotos Ruan e Arthur se reúnem todas as noites de quarta-feira para jogarem um pouco de futebol na praça da rua Epitácio, sendo que estes dois rapazes vêm para o local escolhido ausentes de qualquer companhia adulta. Ambos já sabem o caminho de cor, e decidiram, em algum momento não identificado, jogar juntos com horário e data marcada a partir daquele comum mês de julho.
— Neste ano, pretendo jogar muito mais com você do que com o Diogo. — disse Ruan, um pouco irritado. É que Diogo frequentemente não podia vir, porque seus pais o proíbiam de jogar fora da área do clube. Ruan até compreendia o lado de Diogo, já que ele não fazia questão de jogar com o colega. Em casa, Diogo tinha o suficiente.— É, pois é. Sei que tá difícil, mas nem pra dá uma forcinha, né? — disse Arthur, sugerindo que o outro colega (que ele, na verdade, não conhece) escape da visão de seus supervisores para jogar uma bola nas noites de quarta.
Ruan estava, na verdade, convidado para jogar bola no gramado artificial que tinha no falso jardim de Diogo, com aquele cheiro gostoso de planta e vida artificial. Ali, seria convidado em todas as noites, após a escola, e também, com direito a lanche e sei lá o quê. Era coisa fina para um lanche noturno diário: canapés, amêndoa tostada com sal e alecrim, mini sanduíche gourmet, e por aí vai.
Mas tinha algo diferente no Arthur, que o fazia ficar ali, jogando naquele frio de inverno, naquela ventania estrondosa, em que a bola ia para o gol só com o vento que alguém lá de cima mandava descer.
— Minha coroa vai fazer pão com mortadela pra nóis, é pra ir lá amanhã de noite, noite de quinta. A gente pode vê a partida do Santos na tevê que tem lá na sala. — Arthur disse, convidando Ruan, muito contente. Ele queria que queria chamar o colega. Uma vez, chegou a puxá-lo pelo braço até seu bairro, mas Ruan se assustou com o local e disse que voltaria mais tarde. Seu pai, inclusive, o proibiu na época de ver o colega de bola.
— Sei não, receio que meu pai tenha alguma pendência ou compromisso a resolver. Verificarei, — disse — e te aviso caso consiga comparecer. Obrigado, pelo convite. — concluiu.
E após esta breve conversa, decidiram seguir com a partida. Ruan perdeu para o Arthur de 3 x 2, os dois se divertiram, riram e se sentaram no meio-fio da calçada. Ali, com uns trocados que tinha no bolso, Arthur comprou dois sucos e duas coxinhas, e dividiu com o colega. As duas crianças de dez anos, compartilharam, ali, um momento de descontração e inocência, que com certeza ficará marcado para sempre em suas memórias. Eles conversavam sobre o quão diferente eram suas escolas. Arthur ficava maravilhado com as salas de informática super equipadas, aulas de robótica e realidade virtual, além das turbinadas aulas de inglês citadas por Ruan. Já Ruan, ficava encantado com a união dos estudantes, com o almoço gratuito, e a menor cobrança que estavam presentes e/ou eram oferecidos pela escola de Arthur. Em casa, as diferenças eram ainda maiores.
Prestes a sair, Ruan se alegrou ao saber que iria para casa ver sua prima do exterior, que acabara de retornar. Seu quarto, decorado para a volta da parente, estava com ar climatizado e itens comprados especialmente para a data. Já Arthur, lembrou que sua mãe ficaria furiosa com ele, já que ele chegará tarde em casa, depois do horário ideal para ajudar sua mãe a vender brigadeiros na rua.
— Amanhã... — disse Ruan, um pouco tímido. — teremos smoothie de morango e macarons como lanche. Você aceita vir me visitar?
— O que é isso? — questionou Arthur.
E assim, cada um foi para sua casa.
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