A última vez que vi a lua



Uma xícara de café, uma tensão no ar e um aperto no peito. Era o que eu via e sentia no momento em que minha mãe lançou um olhar de desprezo em minha direção. Não disse palavra nenhuma e nem esboçou outra reação a não ser aquela. 

Era o meu aniversário que se aproximava, e pela primeira vez, tive medo de comemorar mais um ano de vida. As dúvidas clássicas de um jovem adolescente vieram à tona na minha mente: "O que irei fazer?" "Quando irei morar sozinho?" "É hora de arrumar um emprego?", me questionei. 

Toda manhã era a mesma coisa, e eu já imaginava que seria diferente na manhã do dia dito especial, e isso me assustava muito.  Poderiam fazer uma grande surpresa já esperada, já que é comum fazer surpresas para mim no dia do meu aniversário - já estou acostumado, mas a surpresa deste ano promete. 

Na escola, todos comentavam dos aniversários dos outros. Ninguém comentava sobre o meu. Ele era um dos meus únicos amigos da escola, e esse apelido foi dado a ele por que ele é um garoto invisível para a maioria. Todos falam com ele, todos gostam dele, mas ninguém o conhece ou pergunta sua história de vida. É com ele que eu ando, e faço questão de chamá-lo de Alguém. 


- A data está próxima. Já sabes o que irá fazer? - me perguntou. 

- Sim, já sei há alguns anos. - Respondi. 

- Nossa, isso que eu chamo de planejar a maioridade! - se espantou. 

- Na verdade foi coisa do meu pai e da minha mãe. Eles que planejaram. Não tive participação. 

- E como você sabe? 

- Me contaram. 

- Então não é surpresa. 

- A surpresa é se vai realmente acontecer ou não. 


Ele sempre fazia questão de lembrar do dia quatro de março deste ano, que eu tentei esquecer. Por mais que eu o chamasse para fazer coisas diferentes, ele sempre me lembrava. É muito triste para mim, pelo motivo de que marcará o fim de uma fase que não irá existir mais. 

Cada noite dormida, era uma lágrima caída. A cada hora que passava, mais próximo do dia eu estava. 

As coisas em casa mudaram. Eles começaram a falar menos comigo, me tratavam com pouco entusiasmo e carinho. Eu podia apostar que estavam considerando a surpresa, aquela que me anunciaram alguns anos atrás, para que eu já ficasse preparado. Era uma surpresa grande, e que mudaria o meu rumo por completo. E justamente, foi escolhida para ser feita aos meus dezoito anos. 

Era por isso que eu tinha medo de completar a maioridade, um medo irreal, quase uma dezoito fobia, que ninguém entendia. 

Fui ao aniversário de Amanda, a irmã de Alguém, alguns dias antes do meu, e lá ela me questionou:

- O que irá fazer no seu? Me convide. - disse.

- Não será necessário. Não vai acontecer nada. - Eu respondi.

- Mas fiquei sabendo de uma surpresa, Artur havia me contado. 

- Mas não é surpresa assim, como a sua, que por mais que tenha um bolo simples e uma vela velha de armário, é boa. 

Amanda e Alguém viviam juntos, e ela era a única pessoa que o chamava pelo nome. Se estudasse na mesma escola que a gente, provavelmente seria da nossa dupla. Eram pobres, e mal tinham comida para si mesmos. Alguém a contava tudo que não queria contar para mim, porque já não havia outra pessoa com quem pudesse contar. Todos da escola evitavam-no, com medo de ser como ele ou de serem caçoados por estarem com ele. 

Eu sofria isto diariamente, e meus pais ignoravam meus sentimentos. Eu era amigo de Artur não por causa de que ele era solitário como eu, mas porque me identifiquei com ele e passamos por situações quase parecidas. Meus pais nunca aprovaram nossa amizade, e então, se houvesse alguma festa nova para mim, não teria convidados. 

Acordei em um dia nublado, próximo do fim do mês, que estava quase querendo chorar. Eu olhava para o céu e me deprimia, pois sabia que dia era. O calendário que ficava na frente da minha cama não mentia, e eu já tinha colocado um X na data de hoje, era o dia da comemoração do meu nascimento. 

Meus pais me chamaram na sala, e se eu fosse alguns anos mais novo, com a inocência de criança, imaginaria que estivessem querendo desejar para mim os parabéns pela idade adquirida. 

Parti o pão com dificuldade, já que minhas mãos tremiam. Me esqueci da margarina, do suco como acompanhamento e até de pentear o meu cabelo. Fui diretamente para a sala e sentei-me no sofá, com as mesmas roupas que estava quando fui dormir na noite passada. Por sorte tinham preparado café para mim. Ou sobrou um pouco do café deles. 

Foram com essas mesmas roupas que eu saí de casa, abandonado, desiludido com a vida e desamparado. As palavras que me disseram já eram de se esperar, mas doeram muito ao serem ouvidas. 

Uma xícara de café, uma tensão no ar e um aperto no peito. Era o que eu via e sentia no momento em que minha mãe lançou um olhar de desprezo em minha direção. Meu pai tomou as rédeas, e resolveu falar:

- O combinado foi esse. Não podemos tolerar você aqui dentro desta casa, não deste jeito. 

- Oliver, você teve tempo para mudar. Não estamos, agora, conversando com um adolescente. Você a partir de hoje é um adulto. E se você diz ser como seu "amigo" Artur, que seja do portão para fora. - Completou a mulher. 

Era o meu aniversário que chegara, e pela primeira vez, tive medo de comemorar mais um ano de vida. Um único pensamento veio à tona na minha mente quando já estava lá fora, e com noites dormidas nas ruas. E me aproximando da avenida mais movimentada da cidade, eu disse: "Qual cor de carro eu escolho? Preto? Não. Preto é clássico demais. Eu quero vermelho". 


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