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Mostrando postagens de julho, 2024

A última vez que vi a lua

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Uma xícara de café, uma tensão no ar e um aperto no peito. Era o que eu via e sentia no momento em que minha mãe lançou um olhar de desprezo em minha direção. Não disse palavra nenhuma e nem esboçou outra reação a não ser aquela.  Era o meu aniversário que se aproximava, e pela primeira vez, tive medo de comemorar mais um ano de vida. As dúvidas clássicas de um jovem adolescente vieram à tona na minha mente: "O que irei fazer?" "Quando irei morar sozinho?" "É hora de arrumar um emprego?", me questionei.  Toda manhã era a mesma coisa, e eu já imaginava que seria diferente na manhã do dia dito especial, e isso me assustava muito.  Poderiam fazer uma grande surpresa já esperada, já que é comum fazer surpresas para mim no dia do meu aniversário - já estou acostumado, mas a surpresa deste ano promete.  Na escola, todos comentavam dos aniversários dos outros. Ninguém comentava sobre o meu. Ele era um dos meus únicos amigos da escola, e esse apelido foi dado a el...

O tempo continua a correr

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  As horas caminham, Os minutos correm, Os segundos voam, E os lindos dias marcham Para a nossa morte, Dia final, momento inesperado Data em que todos seremos finados. A vida pré-existente é completamente ignorada, O que fica, por sua vez, continua normalmente. As flores nascem e os cães latem de madrugada, Tudo normal como se fosse antes da gente. Somos, na verdade, insignificantes Poeira cósmica, como dizem Minúsculos como uma formiga E às vezes, gigantes, em vida Mudamos o mundo, Destruímos o mundo. É que as horas caminham, Os minutos correm, Os segundos voam, E os dias se rastejam Para a nossa sorte, Para a nossa morte, Dia final, momento esperado Data em que todos somos finados. E tudo recomeça, Para mais gente morrer.

O que ele não tem?

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Joga a bola para lá, joga a bola para cá. Os garotos Ruan e Arthur se reúnem todas as noites de quarta-feira para jogarem um pouco de futebol na praça da rua Epitácio, sendo que estes dois rapazes vêm para o local escolhido ausentes de qualquer companhia adulta. Ambos já sabem o caminho de cor, e decidiram, em algum momento não identificado, jogar juntos com horário e data marcada a partir daquele comum mês de julho. — Neste ano, pretendo jogar muito mais com você do que com o Diogo. — disse Ruan, um pouco irritado. É que Diogo frequentemente não podia vir, porque seus pais o proíbiam de jogar fora da área do clube. Ruan até compreendia o lado de Diogo, já que ele não fazia questão de jogar com o colega. Em casa, Diogo tinha o suficiente. — É, pois é. Sei que tá difícil, mas nem pra dá uma forcinha, né? — disse Arthur, sugerindo que o outro colega (que ele, na verdade, não conhece) escape da visão de seus supervisores para jogar uma bola nas noites de quarta. Ruan estava, na verdade, c...

Sala de espera

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Nada conseguia tirar aquela angústia do meu peito, aquela sensação horrível e interminável que me avisava da imprevisibilidade, que me lembrava que era difícil prever em que momento eu sairia dali. Me irritei com o barulho de pés, nossa, havia muitos pés! — Muito pé batendo no chão — pensei, irritado. As pessoas estavam nervosas. Rostos fechados, bocas cerradas e olhos caídos. — E estão com sono — concluí. A face irritada não deixava esconder que ninguém ali estava, de fato, interessado em permanecer no local por mais tempo. — É dengue? — um homem pálido, sentado ao meu lado, questionou. Disse-lhe que não e que estava lá para fazer uma consulta com o oftalmologista. — Ah! Se eu dissesse para você que poderia esperar, esperaria? Tem dias mais calmos. Hoje, como pode ver, só enfermos. Você vai passar na frente da senhora com suspeita de catapora. — Ah, moço, é urgência — disse, com pausa. — Eu não o vejo — continuei, e é claro que isso é verdade, pois se não fosse, teria descrito o ...

Malditos lusófonos

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  22h30 da noite. "Música de fundo, luzes apagadas. Carro estacionado. É tudo o que consigo ver e ouvir neste momento de paz e tranquilidade. Dona Lúcia já parou de me telefonar, perguntando onde deixei as coisas que, segundo ela, lhe pertenciam. Susana já não me incomoda mais com aquelas tarefas horríveis e desumanas que costuma pedir e nunca faz por conta própria. Eu só escuto a música favorita do meu pai no rádio do carro, no meio do escuro da avenida Antenor, que já está há duas semanas com as luzes queimadas, mas que, segundo o prefeito, tudo será arrumado logo logo. Estou cansado desta sociedade que me trata como escória, viver no meio deste lixão ambulante que se chama "mundo", com outras pessoas que acreditam que isso um dia irá melhorar. Imagine só: todas as pessoas que vieram antes de você, seus bisavós, trisavós e todo o resto, também pensavam que trabalhando iriam conseguir uma vida mais digna para seus descendentes e para as pessoas que viriam depois. Aq...

Resgate da pureza

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Respiro e aspiro vida em abundância  Valorizo e olho para a criança  Que habitou em mim durante todo este tempo  E eu nunca exerguei devido às circunstâncias  Volto a ser criança  Sorrio para a infância  Chuto a testa da ignorância

Já fui um rato

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Parado, relaxado, Em frente ao ponto da rua Inácio, Um moço me interrogou De forma estranha, "Como você descobriu que ficou velho?", Disse acendendo o cigarro. Encarando-o e analisando-o, Decidi falar como se tivesse Me refugiado numa montanha, Passei a encarar a vida com mais apreço, Cada detalhe de fato importava. Passei a dar ao grão da areia da praia, Mais importância, E as nuvens do céu, Todas as tardes eu observava. De fato, fiquei velho. Mas já fui um rato. "Rato?" perguntou o moço, Já com outro maço. Já fui rato de frente para uma tela, A fim de um futuro utópico Que não viverei. "Acho que também sou um rato".