Ser livre é demais
Há alguns meses, concluí a faculdade e finalmente pude ter as minhas noites livres, mesmo que por um curto período. A ideia era descansar durante um semestre (semestre sabático), e voltar com gás para o próximo, para a conclusão de uma pós-graduação até hoje não decidida. Em janeiro, planejei todo o meu ano, como eu queria que ele fosse em cada aspecto, como deveria me portar, o que fazer, e principalmente, como fazer. Disse para mim mesmo que não faria nada produtivo às noites, e que tiraria o período para sentir a minha casa e estar próximo dos meus familiares, coisa que não fiz durante os últimos quatro anos, com exceção dos meses de férias.
Assim que fevereiro começou, e o ano, de fato, engrenou, parece que tudo que eu mesmo tinha dito antes tinha ido para o lixo. O que aconteceu mesmo foi um sentimento embrulhado no peito, que me xingava de vários nomes e me apelidava de "zé ninguém". Isso é mentira, e tenho ciência, eu trabalho manhãs e tardes de segunda a sábado, folgo o dia todo apenas em dia de domingo, sim, eu sei. Mas eu me senti muito inútil não fazendo nada pela noite. Não conseguia cumprir o que eu mesmo tinha combinado.
A sensação era de desprezo, de perda de tempo, eu via o pessoal estudando, sair, fazendo qualquer coisa, e eu em casa, assistindo TV ou colorindo desenhos... Falei para mim mesmo: e agora?
O engraçado é que esta é uma corrida que não sou obrigado a correr. Por dois motivos: primeiro, porque todos vamos morrer. Não temos data para concluir este objetivo, mas esse já deveria ser o principal fator para que possamos viver uma vida mais leve. Nada é para sempre. Segundo, porque é uma corrida solitária. Aqui, eu corro até 4 km, posso atravessar cidades com a minha pressa, mas eu preciso ter ciência de que não há ninguém como oponente.
Tentei me segurar, mas em uma semana, meti exercícios físicos de uma hora todos os dias (e antes que me digam que isso é bom, eu sei que é), disse que leria um livro por 30 minutos, e que depois poderia estudar idiomas (que é uma coisa que eu amo). São coisas que eu facilmente faria, porque eu amo fazer todas elas, mas até mesmo o que eu amo pode virar um fardo.
A cobrança pessoal de ter que realizar as tarefas todos os dias me deixou cansado e exausto. O prazer virou raiva. Eu ficava estressado só de ver o horário bater e ter que cumprir toda a cartilha. Todo dia. Todo dia. Todo dia. Todo dia. Isso deveria ser pecado. Não vale a pena acordar todo dia para viver a mesma coisa. Amo meu trabalho na educação porque cada dia é muito diferente do dia anterior. Chegar em casa e fazer a mesma coisa que fiz ontem é um atestado de chatice para mim.
Não terminei ainda.
Depois enfiei que tinha que escrever o interminável livro "Menina Solange Mulher", que está no forno há mais de 3 anos. O forno queimou e o livro está lá dentro. Até pude ser produtivo, mas foi um porre ter que fazer tudo isso por mais de duas semanas. Chegou a um ponto em que eu comecei a organizar tudo que via na minha volta.
Acordava no horário 5h45, lia o mantra para acordar bem, me arrumava ouvindo um audiolivro, ia para o trabalho, ouvia adolescente gritar, almoçava, ouvia adolescente gritar, dava sermão, voltava para casa. Falava oi pra pai e mãe, irritava irmão, dava beijinho na irmãzinha e ia direto para a rotina. Isso quando me permitia fazer as coisas do trabalho em casa... Só saía dali do quarto às 22h40 e ia direto tomar banho pra dormir. PARA REPETIR A MESMA COISA NO DIA SEGUINTE. No tempo livre, organizava as minhas finanças (toda semana registrava tudo que saía e entrava), minha rotina vivia em manutenção, gastava horas organizando o meu celular de modo que ele não me distraísse e me deixasse mais produtivo, e tralalá. Comecei a refletir. Cadê o meu descanso?
No sábado passado, dia 2 de maio, entrei em surto. Acordei com a pá virada. Falei para o morro e o céu ouvirem que eu não quero mais saber de compromisso. Só trabalhar. E depois disso, nada más. Para me sentir um pouco útil, estabeleci uma "rotina flexível". Nos períodos livres, um pouco antes da noite, eu escolho o que quero fazer, e sem culpa. Vou do início da noite, até a hora de dormir. Claro que lavo uma louça e limpo a casa durante, mas nossa, agora é muito mais leve viver. Como faço uma tarefa diferente todos os dias, me sinto renovado. Vou dormir pensando: "o que será que vou fazer amanhã :)", fazendo a carinha de sorriso mesmo.
Acordo às 5h45, ouço a música que quero, me arrumo assistindo o que quero, vou ao trabalho, ainda ouço adolescente gritar, e depois vou passear descalço pela casa fazendo o que decidir na hora. Muito mais leve. Eliminei todas as cobranças. Mas ainda estudo, num intensivão. Me sinto mais produtivo.
E o livro "Menina Solange Mulher"? Sai um dia aí.
O importante é:
Esqueça esse negócio de rotina produtiva. Se você tiver oportunidade, lembre-se de que a rotina produtiva é a que te motiva a acordar e te faz feliz. Encaixa as suas obrigações dentro dela e faça a sua vida trabalhar para ti. Chega de ser amargurado. É hora de viveeeeeeeeeeeeer!
Para encerrar, deixo esta imagem bem milennial:
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